A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, quer cancelar o pagamento de indenizações concedidas pela Comissão de Anistia a quase três mil ex-militares da Aeronáutica, que foram demitidos durante a ditadura e acabaram se tornando anistiados políticos. O caso já está na Controladoria-Geral da União.
Para o governo Bolsonaro, esses ex-cabos anistiados não foram perseguidos pelo regime, mas exonerados por excesso de contingente, o que torna irregular o pagamento das indenizações. A estimativa do governo é de que pelo menos R$ 3 bilhões foram gastos com essas anistias.
Ao tentar derrubar o benefício concedido aos ex-militares, o governo quer impedir que outros R$ 13 bilhões saiam dos cofres da Aeronáutica para bancar novas indenizações. O caso já foi judicializado. Em 1964, com o golpe militar, a Aeronáutica contabilizava 6.339 cabos em seu efetivo, o que caracterizava uma desproporção em relação aos número de soldados.
Para equilibrar seu contingente nas diferentes hierarquias, a Aeronáutica lançou a Portaria 1.104/1964, que limitou o reengajamento dos cabos a oito anos. Antes, não havia limite de tempo. Houve, então, a saída em massa de cabos que atingiam o tempo limite na Aeronáutica. A Comissão de Anistia considerou esses cabos como sendo vítimas de uma medida de exceção e decidiu pelo pagamento de indenização a todos eles.
Ato administrativo
Do total de militares que conseguiram decreto de anistia, 90% são ex-cabos da Aeronáutica que se enquadram como perseguidos por causa do decreto de 1964.
A Comissão de Anistia entendeu que a portaria, baixada num regime de exceção, prejudicou a carreira de milhares de militares (que tiveram que deixar as forças armadas após oito anos) e que por isso eles precisam ser indenizados.
Para Bolsonaro e a ministra Damares Alves, a portaria da Aeronáutica de 1964 “não foi perseguição política, e sim um ato administrativo que visava racionalizar a carreira militar”. O governo considera, inclusive, que em boa parte dos casos houve má-fé por parte dos ex-militares que submeteram seus casos à comissão.
Segundo os cálculos do governo, o Ministério da Defesa paga, atualmente, R$ 29 milhões por mês a ex-cabos anistiados. Caso a pasta tenha de quitar todo o valor retroativo aos ex-cabos, o orçamento da pasta ficará, ainda de acordo com o governo, comprometido e poderá faltar recursos até mesmo para o controle de tráfego aéreo.
Subprocurador da República, Brasilino Pereira dos Santos acompanha há mais de 18 anos o caso das anistias concedidas a ex-cabos. Em 2004, ele comandou a instauração de um inquérito civil público para investigar a concessão de anistias a três mil militares. O inquérito foi ajuizado em 2014, na Justiça Federal em Brasília.
— São bilhões de reais que estão indo para o ralo. Disseram que a portaria de 1964 teria como finalidade perseguir os cabos. Aí, apareceram milhares de cabos se dizendo perseguidos políticos, quando, na verdade, essa portaria só fez o seguinte: ela limitou o tempo de permanência como cabo na Aeronáutica em oito anos. São três mil falsários — diz, Brasilino, que atualmente está lotado na Primeira Turma do STJ.
Em 2011, o então ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, determinou a instauração de processos administrativos de anulação das portarias concessivas de anistia a mais de 2.500 ex-cabos da Aeronáutica. A justificativa era de que os benefícios haviam sido deferidos unicamente com fundamento na Portaria de 1964.
Na época, uma comissão de revisão composta por advogados da União e pelo Ministério da Justiça assinou a anulação de 428 anistias. O entendimento foi de que os ex-cabos deixaram a Aeronáutica por vontade própria. Foram encontrados casos de ex-cabos que eram crianças quando a norma foi criada. Ou seja, não poderiam alegar que foram perseguidos politicamente.
Anos antes, em 2004, o então ministro da Justiça do governo Lula, Márcio Thomaz Bastos, anulou 270 anistias de ex-cabos da FAB. Apesar de esforços dos governos, o Superior Tribunal de Justiça considerou que muitas anistias não deveriam ser anuladas, pois já estavam sendo pagas há mais de cinco anos. Um mandado de segurança questiona o STJ no Supremo Tribunal Federal.