Seis dos nove médicos cubanos que trabalham em Dourados foram recebidos com uma festa no sábado (17/11). Os profissionais do “Mais Médicos” foram convidados para uma feijoada como forma de agradecimento pelos serviços prestados ao município. A iniciativa partiu do professor e advogado Tiago Botelho, que queria agradecer em nome de todos os brasileiros.
Pelas redes sociais, Tiago saiu em busca dos convidados, e através de uma amiga chegou em um dos médicos, que de início ficou ressabiado. “Essa minha amiga conversou com o amigo dela que conhecia um cubano e disse que eles podiam confiar, aí começamos a conversar e eu perguntei quantos eram e que eu estava convidando eles para uma feijoada”, conta.
O almoço seria na casa do professor, mas os amigos brasileiros começaram a pedir para participar e a feijoada ganhou status de festança, com mais de 40 pessoas. Sem conhecê-los ainda, Tiago recebeu os médicos com um discurso de agradecimento. “E eles se sentiram à vontade também para se apresentar, dizer de onde vinham e há quanto tempo estavam no Brasil”, relata.
Emotivos, tanto os cubanos quanto os brasileiros, os médicos contaram como são formados e o que pensam sobre o programa. “O mais bacana é ouvir a relação deles com a Medicina, que eles são formados para lidar com pobre, com o povo. Eles não têm essa ganância financeira como os médicos do Brasil”, compara.
“É uma relação muito diferente, que a gente não consegue entender. Todos eles estão dispostos a ir para outro país ajudar, eles são cidadãos que podem ir para o mundo todo ajudar pessoas. Eles também disseram que nunca se sentiram menosprezados, pelo contrário, que construíram uma relação de amizade, porque aqui no Brasil não é comum ir à casa dos pacientes, como é em Cuba”, descreve o professor.
Aos 32 anos, o médico que pediu para não ser identificado, conversou por telefone com o Correio do Estado. Depois de viver 1 ano e 5 meses em Dourados, ele está fazendo as malas para voltar a Cuba. “Quis me formar médico desde muito pequeno. Eu olhava as pessoas doentes e tinha este sentimento, de que podia estudar uma carreira com o objetivo de salvar vidas”, narra.
Curar pacientes foi o que levou o rapaz a estudar Medicina em Cuba. “Este é o maior sacrifício e reconhecimento de um médico. Quando chega um paciente que está doente e triste e você faz um tratamento para ele e, depois, ele chega até você e se sente agradecido, diz que vai se lembrar de você”, conta. No caso das gestantes que ele acompanhou durante nove meses, o profissional diz que até já foi homenageado. “Doutor, meu filho vai ter o seu nome. Eu tive essa experiência, e é um agradecimento realmente muito lindo. Isso é o que sente um médico que ama a profissão”, completa.
A vinda dele foi com o objetivo de trabalhar, atender a população e estar em locais que precisavam de médicos. “O objetivo do nosso País e de nós, médicos cubanos, é de chegar a essas partes onde precisam. É igual no Brasil e em outras partes do mundo. Cuba tem muitas missões nos países do sul-americanos e sul-africanos. Médico cubano é caracterizado por isso: por ajudar a curar, por dar todo o conhecimento nosso para isso”, explica.
Sobre os salários e parte deles serem direcionados para Cuba, o médico diz que muitos desconhecem a realidade de seu país de origem. “Nós recebemos uma parte do salário e a outra é destinada para a população de Cuba, porque lá nós temos uma educação gratuita, uma saúde gratuita. Você mora lá, tem sua família e você sabe que quando precisar ir a um hospital, vai ter internação, remédio e cirurgia gratuitamente. Eu me formei médico e não tive que pagar nenhum dinheiro pela minha formação”, ressalta.
“Acho errado falar que somos escravos. Nós tínhamos um contrato que sempre nos foi explicado e não somos escravos, estamos de acordo, porque nós estamos ajudando também ao nosso povo. Muitas pessoas em Cuba precisam de atendimento médico, diabéticos, hipertensos que têm suas dietas e que o governo dá gratuitamente". “Todos nós médicos saímos de Cuba para ajudar nosso povo, para seguir melhorando dia a dia. Ninguém conhece mais de Cuba do que nós. Eu convido essas pessoas que acham que nosso País é assim para ir visitar”, reforça.
Em pouco mais de 1 ano, tempo em que esteve em Dourados trabalhando, o médico diz que aprendeu muito sobre trabalhar em equipe, com enfermeiros, agentes de saúde, odontólogos e auxiliar de enfermagem. “Isso eu aprendi aqui, a fazer um trabalho em equipe, e que não é uma só pessoa que faz a conduta e, sim, uma equipe num trabalho organizado com o objetivo de trabalhar bem”.
Se, de um lado, nos últimos dias o noticiário foi tomado de declarações infelizes por parte do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), por outro, o que o médico viveu na prática em todos esses meses se resume a elogios. “O Brasil é um país muito agradecido. Os pacientes agradecem muito e quando falamos que somos médicos cubanos, eles nos dizem que somos muito bons, que nos querem. A população nos ama”, compartilha.
Onde vão um, vão todos
Este foi o lema adotado pelos médicos cubanos em Dourados, e quando a notícia da feijoada chegou, só foram por confiar no colega que tinha recebido o convite. “Ele falou: ‘vamos lá? Eu confio, sei que não querem fazer mal para nós’. A gente tem medo e fica sentido por não conhecer as pessoas”, explica.
Entre músicas brasileiras e cubanas, além de muitas fotos, nosso personagem se sentiu grato. “Foi muito legal, estamos agradecidos pelo convite, sempre foram respeitosos conosco”. O médico volta em dezembro para casa, com o sentimento de dever cumprido. “Nossa consciência está tranquila, porque sabemos que somos médicos e estamos trabalhando por uma população. Nós vamos embora, mas com dignidade de que fiz aqui no Brasil um bom trabalho, ajudando muitas pessoas e isso era o mais importante”.