O governo dos EUA tornou públicos neste domingo (03/12) documentos que podem ligar o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, e seus dois antecessores, José Maria Marin e Ricardo Teixeira, ao recebimento de subornos milionários por agências de marketing esportivo.
Esses documentos serão usados nesta semana, ao longo do julgamento do "Caso Fifa", que tem Marin como um dos réus. Del Nero e Teixeira estão no Brasil, que não extradita seus cidadãos, motivo pelo qual não são processados nos EUA. Parte desse conteúdo já havia sido citado na sessão da última sexta-feira.
Também foram revelados novos trechos de uma conversa telefônica entre os empresários J. Hawilla e Kleber Leite, na qual discute-se o pagamento de propina para os três dirigentes. Todos os envolvidos negam as acusações. Del Nero, Teixeira e Marin negam ter recebido subornos. Leite afirma que não pagou propina a ninguém. Hawilla não quis comentar.
Os documentos foram apreendidos por autoridades brasileiras em maio de 2015 na sede da Klefer, empresa de Kleber Leite, e enviados para os EUA, onde corre o "Caso Fifa" – maior investigação sobre corrupção na história do futebol.
Os subornos seriam pagos para cartolas venderem a preço baixo os direitos de transmissão de competições como Copa do Brasil e a Copa América para, depois, revender aos veículos por valores maiores, embolsando a diferença. O caso corre nos EUA porque foram usadas empresas e contas bancárias americanas para movimentar dinheiro.
Um dos documentos é um bilhete com a seguinte anotação feita à mão.
MPM – Copa do Brasil – R$ 1 milhão.
Outro documento é um papel com o seguinte conteúdo digitado.
Copa do Brasil:
Partes: Klefer
Período: 2013-2022
MPM: R$ 1 milhão por ano
Segundo a promotoria americana, trata-se de R$ 1 milhão de propina paga a Del Nero (MP) e Marin (M) pelos direitos de transmissão da Copa do Brasil. O valor também foi mencionado numa conversa telefônica entre J. Hawilla e Kleber Leite, que dividiam os direitos dessa competição.
Desde 2014 Hawilla já cooperava com as autoridades americanas e estava grampeado. Numa conversa por telefone com Leite, Hawilla refere-se ao fato de Ricardo Teixeira também receber R$ 1 milhão, enquanto Marin e Del Nero dividiam R$ 1 milhão entre os dois.
Hawilla e Leite então travam o seguinte diálogo:
– Marin e Marco Polo sabem que você está pagando mais ao Ricardo?
– Claro que sabem.
– Esse R$ 1 milhão para o Marin, ele divide com o Marco Polo, não?
– Ele divide. Como fazem isso, não tenho a menor ideia.
Num outro trecho da conversa, Kleber Leite diz não lembrar com precisão os números – "se foi 1, ou 1.2 ou 1.8 ou 2" – e acrescenta que "uma equação foi criada para incluir mais pessoas".
Seria uma referência ao fato de Marin e Del Nero passarem a receber propina após 2012, quando Teixeira renunciou aos cargos que ocupava no futebol. Pressionado por Hawilla para dar mais detalhes, Kleber Leite afirma que tem as informações guardadas num cofre em seu escritório.
– Eu tenho as anotações guardadas, porque não confio na minha memória.
PROPINAS PELA COPA AMÉRICA
Outro documento apreendido na Klefer e tornado público pelos promotores americanos neste domingo diz respeito à Copa América. Um papel com anotações digitadas tem o seguinte conteúdo:
MPM
Copa América
Partes: Full Play - Traffic - Torneos
Período: 2015-2023
MPM US$ 3 milhões para cada Copa América disputada + US$ 3 milhões para assinatura do contrato
Em 2013, as empresas Full Play, Traffic e Torneos se juntaram para criar a Datisa, agência que comprou da Conmebol os direitos de tranmissão de quatro edições da Copa América: 2015, 2019 e 2023. Várias testemunhas do "Caso Fifa" contaram ao longo do julgamento que este contrato foi obtido pela Datisa por meio de pagamento de subornos para dirigentes da Conmebol.
O delator argentino Alejandro Burzaco, ex-CEO da Torneos, testemunhou que a Datisa deveria pagar US$ 3 milhões para o presidente da CBF quando o contrato com a Conmebol fosse assinado. E mais US$ 3 milhões para cada edição da Copa América disputada sob esse contrato.
Dentro desse acerto, sempre segundo Burzaco, Marin e Del Nero receberam US$ 3 milhões. Ricardo Teixeira, enquanto ainda mandava na CBF, teria recebido US$ 1 milhão adiantado, em 2012. Havia uma pendência de US$ 2 milhões que Marin e Del Nero "herdariam" de Teixeira.
O testemunho de Burzaco foi corroborado, segundo os promotores, por um outro documento apreendido no cofre da Klefer.
MPM: US$ 3 milhões para cada Copa América disputada + US$ 3 milhões pela assinatura do contrato.
Já pagos US$ 4 milhões – US$ 3 milhões para MPM e US$ 1 milhão para Miami.
US$ 2 milhões + US$ 6 milhões pendentes.
MPM, segundo a acusação, seria uma sigla para Marco Polo (MP) e Marin (M). "Miami" seria Ricardo Teixeira. Os US$ 4 milhões pagos são assim explicados: US$ 1 mihão pago a Teixeira como adiantamento pela Copa América de 2015 e mais US$ 3 milhões pagos a Del Nero e Marin pela assinatora do contrato. As pendências seriam os US$ 2 milhões pela Copa América de 2015 e mais US$ 6 milhões pelos torneios de 2019 e 2023.
O QUE DIZEM OS ACUSADOS
O empresário Kleber Leite afirmou que nunca pagou propina para dirigentes. Ele disse ainda que não tem um "cofre" em sua empresa, mas um arquivo. O empresário J. Hawilla, que coopera com as autoridades americanas, não quis comentar.
A defesa de José Maria Marin nega todas as acusações contra ele. Sua estratégia no julgamento do "Caso Fifa" tem sido atribuir as acusações de que é alvo para Marco Polo Del Nero. O advogado de Ricardo Teixeira, Michel Assef Filho, também nega todas as acusações feitas contra seu cliente.
O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, enviou a seguinte nota ao GloboEsporte.com:
– O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, nega com veemência que tivesse conhecimento de qualquer esquema de corrupção supostamente existente no âmbito das entidades do futebol ou que tenha recebido vantagens de qualquer natureza. Reitera definitivamente que não assinou nenhum contrato objeto das investigações, seja pela CBF, entidade da qual não era o presidente à época, seja pela Conmebol, onde nunca exerceu nenhum cargo. Por fim, reafirma que nunca participou, direta ou indiretamente, de qualquer irregularidade ao longo de todas atividades de representação que exerce ou tenha exercido.