A cena é corriqueira: você vai até o açougue, compra um quilo de carne bovina e segue sua vida. O que você não imagina é que, para garantir a produção destes bifinhos, foram usados 15,4 mil litros de água. O gasto pode parecer assustador, mas pesquisadores explicam que antes de se apavorar com o número e virar vegetariano, é possível entender melhor o que realmente significa este consumo. Ele considera todas as etapas da produção, desde o pasto até chegar nos açougues e supermercados, e também inclui a água proveniente de diversas fontes, desde chuvas até a captada por poços artesianos ou rios.
Agora, fica mais fácil também especificar de quais maneiras é possível reduzir esse volume e contribuir com um uso mais responsável e consciente do recurso. Entre as saídas estão melhorar a nutrição animal e até mesmo mensurar melhor o uso de água nas fazendas, por meio dos hidrômetros. Estes são alguns passos para melhorar a “pegada hídrica” e que já ganham adeptos entre os pecuaristas de Mato Grosso do Sul.
A necessidade de medir o consumo de água
Em 2010, um levantamento global feito por uma entidade internacional, a Water Footprint Network, revelou um número que até hoje causa espanto e preocupação à população, aos produtores rurais, às indústrias e demais interessados pelo tema: são utilizados, em média, 15,4 mil litros de água por cada quilograma de carne produzido no planeta. O número já parece alarmante e, no Brasil, a problemática é um pouco mais complicada, já que a maioria das propriedades rurais não contam com hidrômetro - o aparelho com que se mede o consumo de água nos imóveis. “A gente acha que a água é importante, mas ainda não fazemos o básico, que é medir a quantidade utilizada”, questiona o pesquisador Julio Cesar Palhares, da Embrapa Pecuária Sudeste, que há anos se desdobra a estudar o uso de água na pecuária do País.
Oito anos se passaram desde a divulgação do estudo internacional e, ainda, os 15,4 mil litros permanecem como pauta principal de debates, campanhas para redução do uso de água e discursos apaixonados que tentam converter carnívoros ao vegetarianismo. A questão é que, além de não existir uma média atualizada e próxima da realidade atual, a ciência e o setor produtivo ainda buscam entender, exatamente, o real impacto do indicativo. “Existe muita desinformação”, alerta Palhares. “Essa quantia é uma referência global, que não expressa a realidade local e serve mais pra sensibilizar as pessoas. O mais importante não é o numero, e sim o objetivo final: entender como a água está sendo consumida, identificar os pontos críticos e então promover a gestão do recurso”, complementa.
O especialista explica o conceito de “pegada hídrica”, termo pouco conhecido, mas primordial para a compreensão da água na cadeia produtiva. “A abordagem da ‘pegada hídrica’ mensura os consumos de água ao longo da cadeia produtiva. Por exemplo, pode-se considerar a água consumida pela indústria de fertilizante ou rações; a água que o animal bebe; e a água consumida na refrigeração do produto no mercado. O método calcula os consumos das águas verde (evapotranspiração das culturas vegetais que irão alimentar os animais), azul (captada de fontes superficiais e subterrâneas) e cinza (consumida pela natureza para assimilar os resíduos da produção)”, esclarece.
Munido dessas informações, fica também mais fácil buscar as alternativas para uma gestão hídrica mais eficiente e menos prejudicial ao meio ambiente.
EFICIÊNCIA
Nos últimos anos, produtores rurais buscam maximizar a eficiência hídrica de suas propriedades, isto é, produzir mais carne com consumo menor e mais consciente da água. Alguns métodos são fáceis de colocar em prática, contudo precisam ser mais praticadas pelos pecuaristas. “A forma mais rápida e direta para aumentar a eficiência é na nutrição dos animais, porque existe uma relação direta entre o que os animais comem e a quantidade de água que ingerem”, ressalta Palhares.
Um animal que consome comida com excesso de sal ou proteína, por exemplo, terá maior necessidade de tomar água, para diluir os nutrientes em excesso. Outras práticas dizem respeito a atitudes simples, como bebedouros adequadamente dimensionados e programas que monitorem vazamentos no encanamento. “Esses erros são muito comuns e é preciso mudar essa
culturas”.
O sistema extensivo de criação, ainda bastante comum no Brasil, também pode ser um problema. “No sistema extensivo, que é o gado solto no pasto, o animal demora mais que quatro anos pra atingir o peso de abate, e se gasta mais água. Nos sistemas mais profissionalizados, em que numa área pode haver até dez animais, a produção de carne será maior em menos tempo”.
O produtor rural Alessandro Bouigues, 41 anos, é exemplo de pecuarista que busca aumentar sua eficiência hídrica em MS. Em sua propriedade, em Jateí, ele utiliza água da chuva captada por sisternas para realizar a limpeza das granjas, em que são necessários 300 mil litros de água por dia. Além disso, toda a água usada na limpeza é depois redirecionada para um sistema de tratamento de dejetos de suínos. “É um tratamento de água e dejetos, que depois eu reutilizo como fertirrigação na pastagem, o que aumenta a questão de nutrientes no solo”, destaca Bouigues. O produtor estima economizar cerca de 70 mil llitros de água diariamente. “Eu fiz isso por consciência e também pela sustentabilidade do negócio”, explica.
HIDRÔMETRO
Para Julio Palhares, da Embrapa, o caminho para uma gestão hídrica eficiente no Brasil sempre retorna ao ponto da medição: é necessário saber quanto as propriedades rurais consomem de água. Atualmente, apenas alguns estados definiram legislação nesse sentido, o que ainda é muito pouco.
“A sociedade vem contestando a produção animal. Não só pelo fator da sustentabilidade, mas por outros também, como saúde”, diz. “É preciso tomar iniciativas para mostrar à sociedade que o setor produtivo está fazendo o seu melhor. Se a gente não mostrar que a gente produz algo que tem qualidade social, vamos apanhar cada vez mais”, finaliza o especialista.